Artigo destinado aos profissionais da saúde.

    Publicado em cardiologiador.online 

    

    As doenças do aparelho cerebrovascular constituem a principal causa de mortalidade no nosso país e no mundo. A hipertensão arterial descontrolada tem relação direta com morte cardiovascular e cada vez mais seu controle intensivo têm mostrado resultados positivos em grandes estudos atuais. Dados do nosso país mostram que 32,5% da população são hipertensos e até 60% dos idosos são hipertensos. Logo após as doenças cerebrovasculares, as neoplasias são a segunda causa de morte no mundo. Comparando com a população em geral, a prevalência de hipertensão arterial na população oncológica é muito maior, e isso se deve a relação multidimensional que a hipertensão arterial tem com o câncer. O tabagismo, diabetes mellitus e dislipidemia são fatores de risco comuns para o desenvolvimento de hipertensão arterial, insuficiência renal crônica e doenças cardiovasculares. Alguns tipos de neoplasias ou o seu tratamento podem levar à insuficiência renal crônica e essa, por sua vez, causar aumento dos valores pressóricos e assim resultar em doenças cardiovasculares. Dessa forma, compreender que o paciente oncológico deve ter uma avaliação minuciosa da sua pressão arterial consiste a meta fundamental de qualquer ambulatório de cardiologia e cardio-oncologia, pois a hipertensão arterial é o fator de risco modificável mais importante em redução do risco cardiovascular nessa população.

    O avanço no tratamento do câncer resultou em maior número de sobreviventes. Caminhando junto com os sobreviventes, temos pacientes em tratamento oncológico por longa data, fazendo com que o câncer seja visto como uma doença crônica, assim como a dislipidemia e o diabetes mellitus. Assim como essas últimas, devemos questionar ao paciente quanto ao tempo do diagnóstico oncológico, qual o tratamento já finalizado ou em curso. Uma forma simples seria solicitar o contato do oncologista ou entregando um relatório para o paciente entregar ao seu oncologista, solicitando a descrição do tratamento. É muito importante compreender a terapia em curso pois existem tratamentos do câncer que causam aumentos sustentáveis dos valores pressóricos, e assim atribuir à essa hipertensão como essencial é um erro diagnóstico. Não só isso, não diagnosticar hipertensão nesse grupo de pacientes pode levar a intercorrências e desfechos graves durante o curso do tratamento, atrasando a terapia oncológica e refletindo em uma pior sobrevida.

     Algumas classes de medicações na oncologia podem causar aumento dos valores pressóricos conforme seu uso. Uma delas são os inibidores de tirosina quinase (ITK’s) com atividade anti-fator de endotélio vascular (anti-VEFG).  Essa classe está relacionada em até 1/3 de novos diagnósticos de hipertensão arterial em pacientes que iniciaram o tratamento oncológico.  As quinases são glicoproteínas envolvidas em sinais e funções celulares, funções que estão hiperativas e com maior expressão nas células neoplásicas. O objetivo dessa grande ativação é elevar o potencial de angiogênese tumoral, e assim criar novos tecidos vasculares e também propiciando o surgimento de metástases. Inibir essas quinases tornou-se um alvo dos novos tratamentos oncológicos e realmente revolucionou a oncologia principalmente a partir dos anos 2000.  Por outro lado, conforme o uso dessas terapias, descobriu-se que essas mesmas quinases inibidas desempenhavam um efeito na homeostase vascular dos tecidos saudáveis e inibindo-as, resultava em toxicidade vascular, causando principalmente hipertensão arterial sistêmica, além também de tromboses arteriais e venosas. Alguns exemplos das medicações estão relacionados no quadro abaixo, assim como a incidência de hipertensão conforme o seu uso:

 Incidência de nova hipertensão arterial conforme o uso dos inibidores de tirosina quinase, de acordo com os principais metanálises atuais. A classificação de hipertensão utilizada é a do Cancer National institute (http://ctep.cancer/gov).


    A avaliação cardiovascular do paciente oncológico, além de focar nos fatores de risco como tabagismo, obesidade, e sedentarismo, deve voltar-se a terapia oncológica finalizada ou em curso e sua relação com toxicidade vascular, como é o caso dos inibidores de tirosina quinase anti-VEGF.  O objetivo é sempre focar em manter o tratamento indicado pelo oncologista desde que as metas do controle pressórico estejam adequadas. A população oncológica foi excluída dos estudos que avaliaram meta pressórica e desfechos cardiovasculares porém é preconizado valores menores de 130×80 mmHg baseados nos grandes estudos mais recentes. É sugerido iniciar tratamento com IECA/BRA sempre que evidenciado proteinúria. Os bloqueadores dos canais de cálcio dihidropiridinas, como anlodipino e nifedipino, são também a classe de escolha para o início de tratamento. Devido distúrbios hidroeletrolíticos durante a terapia do câncer deve-se evitar o uso de diuréticos. Estimular hábitos de vida saudáveis como dieta balanceada e atividade física regular também fazem parte da avaliação, estimulando inclusive durante o tratamento oncológico. O grande avanço na terapia do câncer nos impõe a importante tarefa em reduzir desfechos cardiovasculares adversos nos pacientes com seu tratamento em curso ou nos sobreviventes. Uma orientação com grande benefício seria estimular a monitorização da pressão arterial em domicílio com aparelhos automáticos, em todo paciente oncológico.  Em 10 pacientes atendidos em qualquer centro oncológico, estaríamos diagnosticando 3 novos hipertensos. Essa é a nossa tarefa.

 

 

 

Referências

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3- Li W, Croce K, Steensma DP, McDermott DF, Ben-Yehuda O, Moslehi J. Vascular and Metabolic Implications of Novel Targeted Cancer Therapies: Focus on Kinase Inhibitors. J Am Coll Cardiol 2015; 66:1160–78.

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